As repartições públicas estampam cartazes citando o crime de desacato, mas esquecem que há outros dipositivos legais ainda mais importantes, que são constantemente desreipetados pela Administração Pública.
Recentemente fui a uma unidade pública de saúde e me deparei com uma situação que deve ser bem comum em todo o Brasil: uma recepção desconfortável, superlotada por pessoas humildes, desassistidas, doentes e cansadas, alguns funcionários apáticos e, para terminar de compor o quadro, um cartaz onde se lia:
“CÓDIGO PENAL – ART. 331 – DESACATAR FUNCIONÁRIO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO OU EM RAZÃO DELA – PENA: DETENÇÃO, DE SEIS MESES A DOIS ANOS, OU MULTA”.
Não foi a primeira vez que vi um aviso com este conteúdo. Quem é usuário dos serviços públicos com freqüência o encontra em estações de metrô, hospitais, escolas, fóruns, delegacias e outras repartições que, via de regra, oferecem um atendimento de péssima qualidade.
Difícil é avistar um cartaz lembrando ao cidadão que a Constituição Federal, hierarquicamente superior ao Código Penal, reconhece a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados como direitos sociais (art. 6º), e que o salário mínimo, segundo a mesma Constituição, deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e da sua família, inclusive com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (art. 7º, IV).
Outro cartaz inédito é o que anuncia que atrasar ou deixar de praticar um ato devido, ou praticá-lo contra a lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal também é crime, previsto pelo mesmo Código Penal (art. 319) que prevê o famoso crime de desacato.
Seria muito salutar que o Estado divulgasse em suas repartições que empregar irregularmente verbas públicas (art. 315, CP), exigir ou receber vantagem indevida em razão da função pública (art. 316 e 317, CP) e patrocinar interesse privado perante a administração pública valendo-se da qualidade de funcionário público (art. 321, CP) são, da mesma forma que o desacato, atos criminosos.
A lista de cartazes mais necessários que o que dá publicidade ao crime de desacato é infindável, mas a administração pública insiste posicioná-lo em primeiro lugar.
É evidente que a ordem dos valores está invertida.
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Milton Corrêa da Costa
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