“A campanha “não foi um acidente”, encabeçada por um parente de
vítimas fatais de trânsito, em acidente no qual o autor teria feito ingestão de
bebida alcoólica, lembra-me a fala de um professor de Direito Penal, que na
sala de aula sempre dizia: “O Direito Penal não é, e nem pode ser, escrito pelo
pai da vítima e nem pela mãe do autor. Neste caso teríamos a vingança privada e
isso significa um grande retrocesso na história e na evolução do direito”.
A idéia básica que norteia a restrição de direitos e garantias
fundamentais apoia-se na falsa premissa de que reprimindo de forma mais ativa o
acusado, com diminuição de suas garantias de defesa, estar-se-ia aumentando a
eficácia da lei penal e consequentemente culminando em menos impunidade no
sistema jurídico.
No entanto, para qualquer entendedor mínimo do sistema processual,
sabe-se que tal ponto de vista não passa de uma falácia, das mais perigosas e
arriscadas. Inicialmente porque qualquer espécie de restrição de garantias é
uma grave lesão não só ao acusado, como também ao próprio Estado Democrático.
Afinal o que é pior: um culpado impune ou um inocente preso?
Imagine-se que caso aprovado o projeto de lei mencionado, a
palavra do agente de trânsito ou do policial seria suficiente para determinar a
embriaguez do motorista. A questão que surge a partir daí é se no atual cenário
nacional em que casos de abuso de autoridade são frequentes no dia a dia, seria
prudente que a simples afirmação de um policial atenda à necessidade de provar
a culpa de um motorista? Ou pior, seria razoável permitir que os condutores
ficassem a mercê dos agentes de trânsito que determinariam o grau de embriaguez
dos mesmos a partir de uma simples constatação em um boletim de ocorrência?
Qual a capacitação técnica que estes agentes teriam para isso? Isso para não se
falar nos noticiados casos de corrupção de agentes públicos.
Assim, sem pensar nas conseqüências de suas palavras e de seus
atos, milhares de brasileiros dão apoio incondicional à campanha “não foi
acidente”. Estes mesmos brasileiros que hoje clamam por uma legislação que dê
poder irrestrito a um policial de trânsito são aqueles que posteriormente vão à
TV e aos jornais reclamarem contra os abusos cometidos pelas autoridades, e
pelas restritas oportunidades de defesa que a legislação lhes proporciona.
Como já foi dito, a certeza de que é necessária a atualização da
legislação que regula o trânsito no Brasil existe e está à vista de todos.
Entretanto fazer isso com irresponsabilidade e sem pensar nas conseqüências dos
atos é prova da ignorância de um povo que já lutou muito contra um estado
repressivo e ditatorial.
O Estado, por sua vez, assiste passivo a tais campanhas. Afinal,
quanto mais poder o mesmo tiver à sua disposição melhor. Quanto menos garantias
o acusado tiver, melhor. É isso que as autoridades querem, é contra isso que os
defensores da ordem jurídica lutam. Ninguém é a favor da impunidade, isso todos
deveriam entender. Mas o que é certo é que a vitima de hoje pode ser o
condenado injustamente de amanhã. Neste caso, seria um acidente?”
Leia o
artigo de Alison Mendes Nogueira em:
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