por Gelci Nogueira
Recentemente, coincidindo com o fim de ano e início de ano novo (2011/2012), surgiu uma onda de suicídio e tentativas de suicídios na região e município em que resido atualmente. Fatos marcantes que mobilizam todos os munícipes, e que me aguçou a curiosidade científica, até porque alguns passaram a ser meus pacientes. Interessei-me, após ler várias referências em artigos que recomendam uma atenção mais acentuada, por se tratar de um fenômeno com tendência a atingir mais sujeitos na mesma região, como se, se tratasse de um evento modismo.
Ao refletir sobre o assunto, ouvindo meus pacientes, pude identificar outros pacientes cuja ideia suicida inicial era dar um susto no companheiro, como revelou uma paciente nestes termos: “eu pensei em tomar uma caixa de comprimidos só para dar um susto no meu marido, queria que ele me desse mais atenção etc.” . Esta paciente, aparentemente acima de qualquer suspeita suicida, mãe de três filhos, trabalhadora dedicada, acaba por confirmar o que predizem os pesquisadores dos fenômenos suicidas, de que onde se inicia um pode vir a ocorrer mais, como uma onda de imitação para fugir dos problemas angustiantes presentes.
Aqui abordo a teoria dos memes para elucidar estes fatos imitatórios, segundo Susan Blackmore (2002), um elemento de uma cultura que pode considerar-se transmitido por meios não genéticos, em particular através da imitação. O ponto principal do conceito meme é que esse é uma informação copiada de uma pessoa a outra. O princípio geral poderia ser assim concebido: alguns memes conseguem replicar-se porque são bons, úteis, verdadeiros ou belos, enquanto outros conseguem mesmo se são falsos ou inúteis. Aqui no caso citado o fenômeno suicídio, uma tentativa falsa para solucionar um problema, que a priori o sujeito imagina como solução, ficando mentalmente preso ao sentimentos que o levará a ação, sem refletir e pensar nas consequências e familiares próximos.
Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o comportamento suicida destaca-se pelo impacto e pelos números de suicídios entre as seguintes faixas-etárias: De 15 - 20 - 35 anos está entre as três maiores causas de morte. E recentes pesquisas mostram que nos últimos anos, a mortalidade global por suicídio vem migrando de grupos idosos para grupos mais jovens, entre 15 a 45 anos. A faixa-etária de indivíduos entre 15 a 44 anos, o suicídio é a sexta causa de incapacitação. E entre cada suicídio existe em média, 5 a 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem consequências emocionais, sociais e econômicas.
De acordo com as pesquisas, o suicídio hoje é compreendido como um transtorno multidimensional, que resulta de uma interação complexa entre fatores ambientais, sociais, fisiológicos, genéticos e biológicos. Estima-se que o risco de suicídio ao longo da vida em pessoas com transtornos do humor (principalmente depressão) é de 6 a 15%; com alcoolismo, de 7 a 15%; e com esquizofrenia, de 4 a 10%. Contudo, uma proporção substancial de pessoas que cometem o suicídio morrem sem nunca terem visto um profissional de saúde mental. Assim, a melhora na detecção, referenciamento e manejo dos transtornos psiquiátricos e psicológicos na atenção primária são passos importantes na prevenção do suicídio.
Aqui vou chamar a atenção do leitor para os aspectos psicológicos predisponentes ao suicídio: • perdas recentes. • perdas de figuras parentais na infância. • dinâmica familiar conturbada. • datas importantes. • reações de aniversário. • personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor lábil. Sujeitos com tais características mais frequentes, os adultos próximos deverão redobrar a atenção e irem em busca de ajuda psicológica e/ou psiquiátrica, sempre acompanhado de psicoterapia cognitivo-comportamental.
De acordo com a Psicóloga Danielle Flöter (fonte: reportagem CRP-18 -19/01/2012), a depressão não está sendo tratada corretamente pelos brasileiros, e, que na maioria das vezes muitas pessoas não buscam tratamento para a depressão por confundi-la com uma tristeza profunda. Segundo as várias fontes pesquisadas, concordam que a causa da depressão é multifocal, convergindo fatores como as vivências cotidianas, estrutura de personalidade, histórico de vida familiar e predisposição genética.
Todas as fontes pesquisadas pontuam que as pessoas precisam compreender que Depressão é doença que requer tratamento especializado. São vários os tipos e subtipos de Depressão. E o diagnóstico dos estados depressivos deve considerar se os sintomas são primários ou secundários a traumas psicológicos, doenças, uso de drogas e medicamentos. No diagnóstico da depressão são considerados os sintomas psíquicos (tristeza, angústia, autodesvalorização, culpa, diminuição da capacidade de experimentar prazer nas atividades antes consideradas agradáveis, sensação de perda de energia, dificuldade de se concentrar ou de tomar decisões), fisiológicos (alterações do sono, alterações do apetite, redução do interesse sexual) e evidências comportamentais (retraimento/isolamento social, crises de choro, ideações/comportamentos suicidas, lentificação ou agitação motora expressivas). Fadiga ou perda de energia. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva. Capacidade reduzida de pensar ou concentrar-se.
As pesquisas referenciam que a maioria das pessoas com idéias de morte comunica seus pensamentos e intenções suicidas, direta ou indiretamente aos amigos, familiares, colegas de trabalho. Elas, freqüentemente, dão sinais e fazem comentários sobre “querer morrer”, “sentimento de não valer pra nada”, e assim por diante. Todos esses pedidos de ajuda não podem ser ignorados. Fiquem atentos às frases de alertas acima citadas. Por trás delas estão os sentimentos de pessoas que podem estar pensando em suicídio. São quatro os sentimentos principais de quem pensa em se matar. Todos começam com “D”: depressão, desesperança, desamparo e desespero (regra dos 4D).
Vejamos alguns aspectos psicológicos no comportamento suicida, como: “estágios evolutivos da intenção para a ação, iniciando-se geralmente com a imaginação, onde o sujeito imagina as várias formas de suicídio e os meios/ferramentas/objetos, culminando com um plano de como se matar”.
Três casos de suicídio, um caso concreto de morte suicida, o que todos têm em comum? Uma vinculação afetiva sutil e sedutora na infância, com um dos progenitores que, ao emergir a adolescência, surge um afastamento abrupto e iniciam-se atitudes aversivas, críticas e exigentes, por parte dos progenitores, de tal maneira que à ainda criança adolescente, começa a formar e aformatar interiormente, um eu excluído e rejeitado, cuja dor emocional cresce e o asfixia, numa angústia intolerável, sendo a morte um prenúncio de alívio total, isso na imaginação do sujeito suicida.
O primeiro paciente, com tentativa iminente de suicídio, com ensaios e tentativas concretas, ideação cognitivo (ideias delirantes e alucinações 'vozes na cabeça' dando ordens concretas, nestes termos: 'de hoje não passa, tem que ser hoje, vai logo (...)'.) para o suicídio desde 22 de dezembro, segundo por questões familiares. O motivo real estimulante mobilizador: doença da mãe, suspeita de câncer. Narrou-me seus pensamentos suicidas nestes termos: comecei a pensar em me matar quando minha mãe ficou doente (agosto do ano passado), achava que ela ia morrer, então comecei a imaginar como eu me mataria; olhava da saca do quarto e pensava em me jogar; outras vezes pensava em pegar o carro e me jogar contra um poste e, recentemente pensei em pegar uma corda, até sai à procura, como não achei, subi na sacada da janela e quando ia me jogar, apareceu minha mãe. Este paciente deu-me, recentemente estas resposta, às questões:
1. Você sente-se infeliz ou sem esperança? Sim, uma vez tinha planos; larguei tudo; tem horas que me sinto-se bem, com planos, mas a maioria do tempo não to nem ai para a vida.
2. Você sente-se desesperado (a)? Na maioria das vezes sim, tem medo das coisas e me desespero; fui ver um familiar e fiquei desesperado(a) (...)“comecei a me imaginar (...)”.
3. Você sente-se incapaz de enfrentar os dias? Sinto-me incapaz de enfrentar os dias sim. As pessoas que tentam me agradar me fazem sentir agonia.
4. Você sente que sua vida é um fardo? Sim, tanto para mim como para os outros.
5. Você acha que não vale a pena viver? Sim, penso na morte em Deus, se ele me acolher não há sofrimento.
6. Você ainda pensa em cometer suicídio? Penso. Como? enforcado(a).
Observação: estamos na sexta sessão psicológica, trata-se de sujeito emotivo, com nível de inteligência acima da média, apesar de todo o sofrimento psíquico, obteve boas notas no curso superior (4º ano), está na faixa dos 20 anos. Está bem mais a vontade, dialogando muito com os familiares, tios, tias, avós, pai, mãe e irmão. Teste Rey - comentário: sou péssima em desenho. Início pelo todo externo, mas com dificuldades na execução e memória, está sob medicação psiquiátrica. Irmão batia muito quando criança, segundo ela, outro dia ele bateu na frente do namorado, sentiu-se humilhada.
Quando certas pessoas dizem: “Eu estou cansado da vida” ou “Não há mais razão para eu viver”, elas geralmente são rejeitadas, ou, então são obrigadas a ouvir “um sermão” ou estórias sobre outras pessoas que venceram dificuldades ainda maiores. Nenhuma dessas atitudes ajuda. O contanto inicial com a pessoa é muito importante. Freqüentemente tal ocorre numa clínica, casa ou espaço público, onde pode ser difícil ter uma conversa particular. “Ouça com cordialidade.Trate com respeito. Empatia com as emoções. Cuidado com o sigilo.”
Sujeitos com traços suicidas necessitam de intervenções psicoterapêuticas cognitivos comportamentais, que de acordo com Reinecke, Dattilio e Freeman (pg.147-1999), as abordagens cognitivo-comportamentais postulam que os membros de uma família influenciam e são influenciados uns pelos outros.
O segundo paciente, veio acompanhado pelos pais, recomendado pelo médico clínico geral, que havia atendido no dia anterior e medicado, pois passara o domingo sob tensão, havia ameaçado se matar na noite daquele sábado. Todos se acomodaram no consultório, observei a dinâmica familiar tensa, o paciente na casa dos 20 anos, segundo ano de faculdade, de cabeça baixa, em total silêncio. A mãe tomou a frente tentando falar o que se passava, o pai interveio tenso; percebi o paciente a escrever mensagem no celular, de repente a mãe fala: ele pede para o pai sair da sala; levantei, caminhei entre eles e dialoguei com o pai, solicitando que esperasse na recepção. Assim a mãe sentiu-se mais a vontade, relatou os fatos, o filho - paciente se manifestou em prantos, revoltado com o comportamento do pai, que fora muito violento em tempos passados etc. Observei que a mãe estava mais tensa e a interferir na fala do filho - paciente, fiz-lhe algumas observações e solicitei que esperasse na recepção. A partir daí o paciente se expressou, narrou o ocorrido, lamentava os fatos e se dizia arrependido.
Ainda estamos no início com apenas duas sessões, pois esta segunda sessão se apresentou sozinho e bem mais disposto, dizendo que queria esquecer o que passou, que foi uma bobagem. Apresentei-lhe as seguintes perguntas e eis o que ele me respondeu, de modo espontâneo e com leve sorriso,
1. Quem ou o quê, na sua vida, te faz sentir mais feliz? Quando meu pai me chama de filho.
2. Quem ou o quê, na sua vida, te faz sentir mais amado? Ser chamado de filho pelo pai, sentia-me muito amado por ele quando me chamava em criança.
3. Quem ou o quê, na sua vida, te faz sentir mais realizado? Quando consigo realizar um sonho meu, que luto e consigo.
4 .Quem ou o quê, na sua vida, te faz sentir mais apaixonado? Tenho paixão pelo que faço.
5. Quem ou o quê, na sua vida, te transmite mais auto-confiança? Quando faço algo que conheço e tenho experiência.
Recomendei aos familiares atenção redobrada, pois sua atitude tímida e reservada indica que está negando o sentimento de vergonha social, e que pode vir a tentar novamente. Destaco e chamo atenção para os aspectos psicológicos pré-disponíveis ao suicídio na faixa - etária jovem: • perdas recentes; • perdas de figuras parentais na infância (situo aqui os vínculos afetivos saudáveis); •dinâmica familiar conturbada (situo aqui os conflitos de casais e o sentimentos de traição); •datas importantes; •reações de aniversário;
personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor lábil.
Transtornos que desencadeiam ideias suicidas
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