Para entender os descaminhos e desafios do Direito de Família moderno
Hoje, como ontem, a sociedade brasileira enfrenta com cautela qualquer questão que diga respeito ao sexo ou á sexualidade. Os livros técnicos, ainda que relacionados à matéria, tornam a escolha sexual, o ato sexual e suas imbricações nas relações familiares um tema inoportuno, inconveniente, recorrendo às ficções exegéticas e pandectistas da mera interpretação fabulosa – quase num estilo "Alice no país das maravilhas" - dos textos de lei, ou do tratamento das relações familiares como mero afeto.
Um pouco mais adiante, ainda no mesmo cenário, visualizamos as lutas contra a homofobia, a favor da união homoafetiva, seja constitucionalizando conceitos, seja intentando criminalizar atos de preconceito e ignorância que se vêm perpetuando contra minorias.
Este trabalho tem uma intenção diferente. Ele não busca, como fizemos antes, constitucionalizar ao conceito de entidade familiar, para, no fim, demonstrar que a Carta Magna não traz qualquer diferenciação entre as entidades familiares e que a família homoafetiva é, em espécie, uma entidade familiar e deve ser aceita com todas as singularidades que lhe sejam pertinentes.
Não. Aqui, antes de tudo, queremos demonstrar, de forma mais sociológica que jurídica, a evolução do sexo, das relações de poder, de suas manifestações no silêncio e na verdade, enquanto formas de legitimação e reprodução do poder no seio da sociedade, da continuidade dos guetos gay, da sua coexistência com as entidades familiares homoafetivas e, ademais, inserir estes contextos nas formas plásticas de que se reveste a modernidade plástica, adotando a crítica de Michel Foucault para analisar e rever os conceitos básicos a serem revistos e visitados neste modesto escrito.
DA IMPORTÂNCIA DO DEBATE SEXUAL PARA O DIREITO
O direito moderno repudia muitas das idéias trazidas a lume pelas escolas clássicas. Essa "ojeriza teórica" se torna tanto mais sensível quanto nos aproximemos do direito de família. Nós mesmos já nos manifestamos a este respeito em trabalhos anteriores, destacando seja a família o berço do afeto e do cuidado, o espaço do desenvolvimento do indivíduo, no qual pode comungar objetivos de vida. [02]
A idéia, embora não esteja erroneamente posta, necessita de revisão. Porque a família é mais que apenas afeto, é, em verdade, um conjunto de fatores que se aliam em diversas manifestações, sejam elas afetivas estéticas, educacionais, artísticas, culturais e sexuais.
Como diziam os gregos, é o espaço para o desenvolvimento da paidéia [03], de descobrimento do ser em sua complexidade existencial apontada por Heidegger [04] e Habermas, quando no diálogo consigo e com o mundo que o circunda.
Ora, o afeto tem como uma de suas manifestações o sexo. Ele é, de um lado, a forma contigencial de mecanismos naturais, de impulsos destinados a assegurar a reprodução humana e, de outro - embalado pelo desenvolvimento das sociedades – uma forma de carinho, de conhecimento de si e do outro, uma linguagem corporal íntima, da qual cada um pode se utilizar para satisfazer-se ao lado de outrem.
Ignorar este aspecto é cometer o mesmo erro que levara à queda da doutrina positivista do direito de família, que acreditava fosse o casamento, à época a única forma de tutela da família existente, visando "legitimar a produção da prole, envolvendo no véo do direito a relação physica dos dous sexos". [05]
O Direito Familial moderno, embora conte com contribuições grandiosas, como dos doutos Roger Raupp Rios, Maria Berenice Dias, Luis Edson Fachin, Paulo Netto Lobo e Rodolfo Pamplona Filho, vem ignorando a tutela do sexo, vem olvidando a importância que a relação sexual desempenha nas instituições familiares e colocando-a em segundo plano, reduzindo a complexidade da entidade familiar a apenas um de seus aspectos, que é o afeto.
Neste sentido, entendemos que a idéia de sexo deva fazer parte dos manuais de direito de família, deve, mais que isso, gerar debates mais abertos sobre a matéria, para além de institutos tão retrógrados e insípidos como a culpa na separação - insculpida no art. 1572 do Código Civil.
Dando deslinde às linhas, passaremos à análise do sexo na modernidade, para, empós, parear o cenário atual ao sistema jurídico constitucional vigente, numa análise reflexiva do direito de família e do sexo.
ESCOLHA E ATO SEXUAL: ENTRE ROSTOS E SOMBRAS EM CIDADES SITIADAS POR UM DIREITO ANACRÔNICO.
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